terça-feira, 4 de agosto de 2009

A Construção e Demolição de uma "Estória" parte X

A verdadeira história da “morte” de Aron Uth Khan (pai do personagem do Segundo)

A história inicial que agregou as personagens do jogo dizia respeito à tomada da propriedade da família Khan por parte de um misterioso comerciante conhecido apenas pelo nome de Attica, recém chegado à cidade portuária de Caergoth. A propriedade da família Khan estava abandonada sendo que nenhum dos três herdeiros encontrava-se na cidade.
Um desses herdeiros é o personagem do Segundo que retorna da Guerra da Lança para sua cidade natal acompanhado de dois camaradas em armas – personagem do Andre (meio-ogro) e o personagem do Mauricio (humano, e um dos sete únicos clérigos verdadeiros de Sirrion no mundo após o retorno dos deuses, ainda que nem ele mesmo soubesse ser um clérigo da religião de Sirrion).
Attica, na verdade, era um clérigo de Chemosh (ou Aeleth) –deus da morte. Ele queria as terras da família Khan porque delas emanava uma energia maléfica e sinistra que lhe proporcionava poderes excepcionais para sua experiências, principalmente no que diz respeito à transformação dos mortos em mortos-vivos. Attica não chegou a essas terras amaldiçoadas por acaso. Ele foi instruído a procurá-las por seu mestre – o “Irmão Sombrio” citado em seu diário. Aqui vale algumas explicações sobre referencias literárias e religiosas colocadas na aventura. Na abertura do diário de Attica há um poema escrito em Kharolian (Kharolis é a terra natal do clérigo). Segue o poema:

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the center cannot hold
Mere anarchy is loosed upon the world.

O poema pertence a William Butler Yeats, poeta, dramaturgo e místico irlandês (para mais infos http://pt.wikipedia.org/wiki/Yeats). Chamado “The Second Coming” o poema utiliza-se do imaginário cristão, mais especificamente o Apocalipse e foi escrito ao final da primeira guerra mundial. A alusão ao giro sem controle e “selvagem” que a tudo consome e que nos priva de nossos sentidos (“The falcon cannot hear the falconer”) ocasionando o despedaçamento do mundo (“Things fall apart”) é perfeito para descrever os objetivos de uma religião voltada para a morte que consome a vida, que a tudo consome. A segunda vinda de Cristo, referida no Livro das Revelações na Bíblia, é no poema descrita como a chegada de uma força das trevas com terríveis propósitos. O que encaixa perfeitamente com as profecias ligadas à religião de Chemosh criadas (pelo mestre) que dizem respeito à chegada de Aeleth/Chemosh em Dragolance. A segunda vinda seria o retorno da divindade da morte a esse mundo, mas esse retorno seria materializado na forma de seu Avatar. Retorno possível apenas após a chegada de três cavaleiros (Chemosh seria então o quarto) que trarão os sinais da chegada da Morte a todos. Aqui, os quatro cavaleiros são uma referência clara aos Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Morte, Guerra, Fome e Peste. A idealização da cavalaria cristã, como muitas outras imagens baseadas nas revelações bíblicas, possui uma dualidade. Se por um lado — teoricamente — ela era portadora de boas novas, defensora dos oprimidos e da verdadeira fé, também era anunciadora do final dos tempos, aquela que trazia toda sorte de desgraças para os homens.
No diário de Attica há uma referência a esses cavaleiros: “Mas ele é o primeiro. Ele é a sombra negra que cavalga o branco... Talvez haja uma maneira. Sim, talvez isso já fosse predestinado por Aeleth. Sim, sim, devo me tornar o espectro que cavalga o vermelho...” Na Bíblia os quatro cavaleiros são reconhecidos pelos cavalos que cavalgam: o primeiro cavalga o branco, o segundo cavalga o vermelho, o terceiro o negro e o quarto cavalga o cavalo baio. Então, “a sombra negra que cavalga o branco” é uma referência ao primeiro cavaleiro que já anda entre nós – o “Irmão Sombrio” – que representa a Guerra. Na Bíblia a Guerra seria representada pelo cavaleiro do cavalo vermelho, ou seja, o segundo, mas eu tomei algumas liberdades criativas. Então, na minha história, o primeiro (cavalo branco) seria a guerra, o segundo (vermelho) seria a peste – que era a pretensão de Attica (lembremos que poderia ser possível se os heróis não tivessem se intrometido na história, já que devemos atentar pelo fato de qualquer religião ter poucos clérigos nesse período da história de dragonlance – o retorno dos deuses e de seus poderes –ainda mais clérigos poderosos, e devemos considerar Attica (5º level) como poderoso, visto a já citada carência de clérigos no mundo), o terceiro (negro) a fome o quarto (baio) a Morte/Chemosh.
Mas quem é o Irmão Sombrio?
É o pai do personagem do Segundo – Aron Uth Khan - que se torna um Cavaleiro da Morte (Death Knight), Bispo da Igreja de Chemosh em dragonlance e líder e Dragonlord do Exército do Dragão Branco.
Aqui voltamos a verdadeira história da”morte” de Aron Uth Khan. Na verdade, apesar de tomar em casamento uma segunda esposa Aron nunca conseguiu superar a morte de sua primeira esposa e mãe de seus três primeiros filhos – vítima da peste. Seu amor se tornou um apego doentio. As preces ao patrono da família, Kiri Jolith, nunca aliviaram seu coração. Na verdade seu coração tornou-se amargo e distorcido, culpando as divindades pela morte de sua amada e por não retorná-la aos seus braços. Desenvolveu uma idéia derrotista da brevidade e da fragilidade da vida humana e começou a ter devaneios doentios sobre a vida eterna a qualquer custo. A situação frágil – espiritual e mental – de Aron o tornou presa de forças sombrias, egoístas e perigosas. Pouco a pouco sua atenção, seu coração e sua lealdade se voltaram a um culto da morte. Se dominasse a morte, talvez ele pudesse dominar a vida e então obter o amor de sua esposa novamente. Dominado pela dualidade e pelos conflitos internos que colocavam em conflito uma vida de resignação, controle e disciplina vivida através do Código e da Medida dos Cavaleiros e sua dor e seus devaneios pela morte de sua esposa, Aron enlouqueceu e praticou o ato que o levou definitivamente para o lado sombrio de seu coração. Massacrou sua esposa, os criados e seu quarto filho – de poucos meses de idade. Amaldiçoado pelos deuses por ato tão abissal tornou-se um Cavaleiro da Morte e fugiu para terras distantes.
Por isso seu corpo nunca foi encontrado e por isso Attica tinha conhecimento das energias sinistras que habitavam aquela propriedade. Energias originárias do ato de traição do próprio Aron Uth Khan.
Qual era o objetivo, então, da primeira aventura nesta campanha? Além de agregar os personagens é claro, era introduzir o antagonista principal, mesmo que apenas pistas de quem seria. O Irmão Sombrio, com seu poder, estava reorganizando o Exercito do Dragão Branco White Dragonarmie). Aos personagens, aos poucos, caberia derrotá-lo. Qual seria a conseqüência se isso não ocorresse? O crescimento da Dragonarmie em todo continente liderados pelo Irmão Sombrio a frente do Exercito do Dragão Branco e por Kitiara a frente do Exercito do Dragão Azul (lembremos que ao fim da Guerra da Lança, Kitiara é a principal líder da Dragonarmie mantendo suas forças leais e o controle sobre os Dragões Azuis). Na verdade o aparecimento do Irmão Sombrio como uma personagem importante na política de Dragonllance se deve a uma aliança religiosa entre Chemosh e a Igreja de Takhsis. O retorno do deus da Morte, na forma de Avatar, seria, então, uma das maquinações de Takhsis para levar a cabo seus objetivos.
O que eu queria era colocar os personagens no meio de uma grande “Guerra Religiosa”. Explico. Uma aliança entre divindades do mal foi feita. Takhsis/Chemosh tem o mesmo objetivo: acabar com a vida em Dragonlance, consumir a tudo e a todos. Uma aliança dessas é uma clara a ameaça ao equilíbrio de forças. É natural que as divindades do Bem e da Neutralidade comecem a agir também. Não de forma direta (como sempre), mas através de pequenas intervenções indiretas. Exemplo: se o personagem do Segundo e seu irmão não tivessem ido a uma viagem no campo seriam também mortos por seu pai quando este enlouqueceu. Quem os retirou de casa para essa viagem foi Kirith “Lâmina Justa”, amigo da família e reconhecido Cavaleiro de Caergoth, e também a encarnação na terra da divindade Kiri Jolith. Ora, Chemosh “roubou” de Kiri Jolith um importante seguidor a aprtir da traição e do enlouquecimento de Aron – Cavaleiro e Nobre. Existe aqui também uma luta por poder, seguidores valiosos para os deuses significa aumento de seu poder e de seus ideais. Quando um episódio como o ocorrido acontece ele equivale a uma declaração de guerra, mesmo que não uma guerra aberta.
O que acontece é que Chemosh escolheu sua peça (Aron Uth Khan) e Kiri Jolith também (Hirion Uth Khan – personagem do Segundo). Mas existem outras peças nesse tabuleiro. Habbakuk – irmão de Kiri Jolith, sendo ambos filhos de Paladine, principal divindade do panteão do bem – decide tomar partido também. É aí que são introduzidos os personagens elfos da Valéria (qualinesti) e do Rato (kagonesti).
Continua...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte IX

Mauricio/ ? Human Cleric

Na viagem à Caergoth, no sul de Solanmia, que você faz acompanhando o jovem aspirante a Cavaleiro, você acorda assustado. Não por causa dos sobressaltos da carroça onde viajam, mas pelo sonho que mais uma vez encontra sua consciência nas terras enevoadas do sonhar. Um grande prédio em chamas está adiante de você e você ouve claramente os pedidos de socorro advindos do coração do fogo. A única coisa que vê são chamas e fumaça, mas as vozes são claras e nítidas, as súplicas partem seu coração. O que fazer? As chamas já alcançavam intensidade e tamanho suficientes para queimar sem ao menos tocá-lo. Então, as súplicas param e você ouve apenas uma voz forte e cristalina que diz o seguinte: No princípio era o fogo em ascensão
Que iluminou as tempestades a partir de uma faísca
No princípio era o verbo, o verbo
Que das sólidas matrizes da luz
Abstraiu todas as letras do vazio;
E das nebulosas origens do sopro vital
Fluiu o verbo, traduzindo para o coração
Os primeiros caracteres do nascimento e da morte.
Um homem alto, de cabelos e barba ruivas e olhos castanhos passa, então, por você. Ele usa uma armadura, mas os detalhes nela não são importantes, ou seria você que não consegue enxerga-los? O homem continua em direção ao prédio em chamas, seu andar é constante e ele é engolido pelo fogo que adquire colorações nunca antes imaginadas por você, as chamas mexem-se então em um movimento caótico até se extinguirem completamente. O prédio está no chão, totalmente consumido e o homem permanece de pé sem sinal de ferimentos. Você se aproxima e pergunta: “E as pessoas, estão mortas?”e o homem lhe responde “Sim, e o fogo foi extinto!”
O mesmo sonho todas as noites nos últimos dois anos e meio. A única diferença é que com o passar do tempo ele está muito mais nítido. Você no começo não conseguia entender o que o homem ruivo dizia e nem ver que ele usava uma armadura. Mas desde a primeira vez que você teve o sonho sua vida e sua compreensão do mundo se modificaram completamente. Agora você consegue acessar o fogo interior que sempre queimou na sua alma, você consegue retirar poder desse fogo. A inquietação que sempre lhe corroeu agora parece um pouco apaziguada, alimentada. Por isso não lhe pareceu estranha aceitar tão prontamente o convite feito pelo jovem cavaleiro para lhe acompanhar até Caergoth. Mais do que manter essa nova amizade, aceitar o convite foi para você uma forma de continuar alimentando esse animal que habita seu ventre e que lhe inquieta a alma.
E você pretende descobrir também o que fazer com o metal de uma estrela cadente que você adquiriu depois que seu local de queda lhe foi revelado em sonho.

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte VIII

João Paulo/Dralathalas Silvanesti Wizard

Você é filho e aprendiz de um dos mais respeitados e poderosos Feiticeiros Silvanesti. Kardanon Dralathalas é seu pai e chefe de uma das Casas de Magia do Reino Silvanesti. Mais aprendiz do que filho você logo aprendeu a ter gosto pelo poder, não qualquer poder, mas sim aquele proporcionado pelas artes arcanas, mas a inflexibilidade, o rigor e o cuidado no seu treinamento supervisionado por seu pai/mestre sempre o irritaram. Principalmente o que na sua opinião é um excesso de cautela. Frases como “Aprenda o básico antes” e “Não tente dominar aquilo que você deveria servir” e “Humildade é a palavra chave nas artes arcanas” sempre o irritaram profundamente, soando terrivelmente covardes. Sua ânsia por poder e impaciência crescem proporcionalmente e o levam inclusive a realizar pesquisas sobre magias pouco respeitadas e temidas pelos elfos como aquelas da Escola de Necromancia.
Sua impaciência tem crescido ultimamente, desde o exílio forçado que seu povo sofre. Isso para você é inaceitável, como os maiores e mais experientes praticantes de magia em Krynn podem chegar a ponto de viver em exílio, fora de suas terras, pedindo permissão para residir em terras controladas por humanos e convivendo com Qualinestis e principalmente Kagonestis.
Seu pai também, desde a mudança para Ergoth do Sul e o abandono do Reino Élfico de Silvanesti tem despendido menos tempo ainda em seu treinamento e sua cautela em ensinar novos encantamentos desde que descobriu suas pesquisas em Necromancia é ainda maior. Seus constantes pedidos para ter acesso aos livros e artefatos da Casa de Magia controlada por ele são insistentemente negados.
É por isso que você resolveu fazer o impensado, um crime digno de exílio (se pego, é claro). Você adentrou a Casa de Magia sem permissão, entrando no laboratório particular de seu pai. A primeira coisa que chamou sua atenção foi a capa de seu pai descansando sobre a cadeira, feita com um vermelho vibrante e ouro, suas mãos imediatamente foram a seu encontro. Mesmo sem saber a real finalidade de tal capa você sentiu o poder mágico em sua fabricação, no tecido, nas costuras... Você a pegou e colocou sobre seus ombros. Foi então que sua atenção foi dirigida para um livro de encantamentos no centro da sala. Você chegou próximo ao livro abriu em uma página já marcada e começou a lê-lo, de início as palavras pareciam ilegíveis a seus olhos, você passou direto pelas duas primeiras magias por não poder compreende-las e uma pontada de desapontamento e raiva interior tocaram sua alma, com grande esforço você se concentrou na terceira magia, as palavras começaram a tomar forma em seus lábios...Até que você ouviu o som de uma porta se abrindo e as palavras “Pare!” sendo pronunciadas. A sua frente três guardas da Casa apareceram. Seus lábios continuavam a recitar o fim da magia e seus olhos encontraram um mapa na parede com as inscrições “Caergoth” em elfico e então a sala, os guardas, os objetos desapareceram...

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte VII

Segundo/Hirion Uth Khan Human Knight

Filho mais novo de uma decadente – ainda que tradicional – casa de nobres de Caergoth, no extremo sul de Solamnia.
Sua irmã do meio – Amanda - casou-se com um Cavaleiro da Coroa de uma família nobre de Solanthus. O primogênito – Orson –acabou de ser nomeado Cavaleiro da Coroa na Campanha Vingard sob o comando da General Dourada, Lauranna, que expulsou os Dragonarmies para o leste e libertou as planícies de Solamnia.
Você mesmo lutou durante a Guerra da Lança junto com seu irmão, mas devido a um ferimento causado por um Kapak na batalha pelo Forte Vingaard, teve que ficar para trás recuperando-se. Após o fim das principais batalhas e de seu tempo de serviço no Forte Vingaard você pode retornar para casa em Caergoth.
Orson, como primogênito, recebeu de herança a casa e as terras da família, assim como deveria receber a armadura de seu pai junto com a tarefa de proteger e zelar pelo nome e brasão da família. Você, como segundo na linhagem sucessória, não recebeu terras como herança, mas ficou com a espada da família, uma tradição que simboliza a sua necessidade de conquistar seu lugar na família e no mundo e, também, engrandecer a tradição familiar.
Seu objetivo ao retornar a Caergoth é encontrar um Cavaleiro que seja seu irmão em armas e que te oriente possibilitando a sua entrada na Ordem da Coroa, mantendo a tradição da família com seu irmão recentemente ordenado Cavaleiro da Coroa e seu desaparecido pai que era um guerreiro respeitado nas fileiras dos Cavaleiros da Espada.
Seu pai desapareceu quatro anos após o seu nascimento – por isso seu irmão nunca recebeu sua herança completa, a armadura.
Você, seu irmão e um amigo da família e companheiro de armas de seu pai, Lord Kirith Lâmina Justa – Cavaleiro da Espada - retornavam de uma temporada no campo na vila de Edgerton. De acordo com suas lembranças uma escuridão parecia envolver o horizonte na direção de sua casa. Poderia ser uma simples tempestade formando-se, mas o ar carregado dava a impressão que algo mais acontecia. À cinco quilômetros da casa, Lord Kirith pediu que você e seu irmão desmontassem, armassem acampamento e esperassem, enquanto se dirigia à casa.
Nunca ninguém soube o que realmente aconteceu. Lord Kirith encontrou os corpos da criadagem, da nova esposa que seu pai havia tomado após a morte de sua mãe dois anos antes, e de seu bebê. Todos mortos a golpes de espada. Seu pai desaparecido. Você e seus irmão (sua irmã estava na vila de Hamilton com familiares) nunca mais entraram na casa. Na verdade ela virou uma casa abandonada, amaldiçoada pela crença popular devido às mortes que ali ocorreram.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte VI

Felipe/Thianel Pellarin Kagonesti Ranger

Lembre-se, os elfos selvagens acreditam que todas as criaturas e objetos, dos pássaros e insetos aos rios e as nuvens, possuem um espírito. Eles honram estes espíritos e sabem que, em troca, são honrados por eles.
Você vivia nas florestas de Ergoth do Sul até a chegada dos exilados de Silvanesti e de Qualinesti que fundaram duas cidades: Qualimori e Silvamori. Lá muitos de seus companheiros sentiram-se atraídos pelos objetos finos e bem trabalhados, pelas belezas das jóias e pelo brilho do ouro de seus primos exilados e, portanto, muitos se tornaram submissos, servos de novos mestres, deixando para trás o respeito pelos espíritos.
Descontente, incomodado e furioso com essa situação você tentou alertar seus amigos e companheiros para que não fossem seduzidos pela beleza superficial e deixassem o verdadeiro significado da irmandade de todas as coisas de lado. Vendo que poucos lhe davam atenção, a raiva e a frustração aumentaram e você se viu dentro de uma contenda que levou a morte de um Silvanesti de uma casa menor de nobres. Para tentar apaziguar os ânimos e evitar um derramamento de sangue entre primos foi realizado um acordo onde você, através de um juramento aos espíritos – na tradição de seu povo - se comprometeria a servir um Qualinesti, escolhido como parte neutra na discussão. Sendo, assim, você ficou aos cuidados de um sacerdote qualinesti de Habbakuk chamado Kemian, preso ao seu juramento de servi-lo até que ele o libertasse de tal promessa.
Quando a Guerra da Lança parecia perto do fim Kemian e um grupo de Qualinesti resolveram retornar para sua terras natal. Você aprendeu a respeitar Kemian e seu grupo de seguidores da Fênix Azul (Habbakuk) devido à bondade e sabedoria do próprio Kemian e também por se sentir cada vez mais atraído aos ensinamentos de Habbakuk que já lhe eram familiares e muito cultuados entre os elfos selvagens.
Com o tempo você foi iniciado por Kemian em uma sociedade secreta (lembre-se da palavra secreta) chamada Elmo do Rei Pescador. Você sabe pouco sobre a ordem, seus plenos objetivos ou seus integrantes, mas abraçou sua causa (a causa de Habbakuk) com fervor. Além de Kemian, o líder, você conheceu apenas outros dois integrantes: Kator, um jovem guerreiro qualinesti, e Lua de Bronze, uma druida, Kagonesti como você. Seu objetivo – não muito especificado – é combater o Senhor da Morte, ou o que Kemian chama de a Igreja de Aeleth.
Para identificar outros integrantes da ordem existem algumas maneiras: a primeira é verificar se carregam em sua mão esquerda um anel de prata com uma pedra de safira na forma de um marlim pescador do mesmo tipo que você possui (o anel conjura a magia friend shield uma vez por dia), a outra é recitar um pequeno poema cujo começo deve ser A dor, ladra do tempo, rasteja para fora/Da tumba desenhada pela lua, com os anos que navegam, e cuja resposta deve ser O trapaceiro do sofrimento rouba a fé/Repartida pelo mar, que golpeou o tempo até dobrar-lhe os joelhos.
Kemian lhe enviou em sua primeira missão como membro da Ordem: acompanhar e proteger uma jovem sacerdotisa de Habbakuk recentemente tornada uma elfa negra por seus crimes contra a comunidade Qualinesti. Você tentou argumentar, afinal de contas também entre os Kagonesti um elfo que se torna um elfo negro é um individuo que se virou para o mal e que não tem mais nenhuma relação com os elfos e seus deuses, ou seja, sua missão não é realizada de bom grado, mas você está preso a um duplo juramento, o de servir Kemian pela honra dos espíritos ancestrais de seu povo e o de servir à Ordem pela honra de Habbakuk.
Como membro da ordem você obtém mais 2 nos checks de conhecimento relativos à Igreja de Aeleth e seu primeiro inimigo favorito fica sendo qualquer undead ou qualquer membro da Igreja de Aeleth.

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte V

Lauro/Rastler Human Rogue

Você é um solitário. Nem você sabe bem porque, pois sempre teve jeito com as pessoas. Sempre obteve aquilo que queria, mas dificilmente criava laços duradouros.
Nascido na cidade de Palanthas você a muito tornou-se pessoa non grata(?) naquela cidade onde vivia com sua mãe, uma feiticeira renegada (isto é, que não pertencia a nenhuma das três ordens – Mantos Negros, Mantos Vermelhos e Mantos Brancos), até que esta foi descoberta e morta por um Manto Negro.
A você só restou fugir da cidade, para não se tornar também uma vítima do Mago que assassinou sua mãe e para fugir dos cobradores de dívidas que sua mãe possuía (eram muitos). A única herança que lhe restou foi um anel dado por sua mãe na ocasião do seu décimo quinto aniversário. O anel é feito de prata e possui um rubi (apesar de ser um pouco frustrante pois há lugar para três, o que lhe faz pensar que provavelmente sua mãe tenha vendido os outros dois para pagar parte de suas dívidas) e sua mãe quando lhe deu, o chamou de “realizador de sonhos”.
A vida de renegado e viajante não foi tão ruim assim. A liberdade e a opção de partir sempre que quiser – ou sempre que um problema insolúvel lhe aparecer – se tornaram extremamente atraentes e vantajosas para seu espírito inquisidor e libertário.
Por muitos lugares e cidades você passou nas planícies de Solamnia. Hargoth, Gander, Forte Vingaard, Olmeiro, Solanthus, inúmeras vilas e inúmeras camas de senhoritas você conheceu, assim como de inúmeras espadas você teve que se desviar. Até mesmo a fronteira do reino do Cavaleiro “Já Morto e que ainda anda” (aliás, o titulo de um dos mais famosos poemas que você criou), Nightlund você conheceu.
Desde o final da Guerra da Lança você encontrou refúgio e por assim dizer emprego na cidade de Caergoth. Sua função é ser os olhos e ouvidos e às vezes as mãos e os pés de Lord Iulasteire Uth Kinstan, soberano da cidade, onde os olhos, os ouvidos, as mãos e os pés de Lord Iulasteire não podem ser vistos de jeito nenhum. Sua relação com Lord Iulastaire é mantida, é claro, em segredo. Você adquiriu a confiança do soberano e muitas vezes trata diretamente com ele, mas quando isso não acontece você se relata a Dylan Galante, secretário e homem de confiança de Lorde Iulastaire.
Todos na cidade pensam que Lord Iulastaire encontra-se, ainda, servindo no fronte leste dos exércitos de Solamnia mesmo após o fim da guerra e, portanto, a cidade está sob controle de seu irmão Lord Alastaire Uth Kinstan, mas você sabe que Lord Iulastaire encontra-se secretamente na cidade acamado acometido pelo efeito de um veneno de uma ferida no campo de batalha.
Devido a sua função você possui bom conhecimento e alguns contatos sobre as guildas que operam na cidade e sobre o submundo da mesma.

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte IV

Catarse - Catarse (do grego Κάθαρσις "kátharsis") é uma palavra utilizada em diversos contextos, como a tragédia, a medicina ou a psicanálise, que significa "purificação", "evacuação" ou "purgação". Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama.

Segundo o filósofo, para suscitar a catarse era preciso que o herói passasse da dita para a desdita, ou seja, da graça para a desgraça. E mais ainda: não pode ser por acaso, e sim por uma desmedida, ou seja, por uma ação ou escolha mal feita do herói.

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte III

André/ Gorcakk Half-Ogre Fighter

Você é um sobrevivente. Juntou-se aos exércitos comandados pelos Cavaleiros de Solamnia ao final da Guerra da Lança, mais por respeitar a força e a capacidade de lutar desses guerreiros do que especificamente seus ideais (o Código e a Medida da Cavalaria). Você mantém em segredo, é obvio, o fato de ter lutado ao lado da Dragonarmie, quando a guerra parecia favorecê-los. Com os desdobramentos favorecendo as forças do Conselho da Pedra Branca você se uniu a infantaria mercenária que lutou conjuntamente com a infantaria dos cavaleiros. A ideologia que você segue é a ideologia da força, por isso voce não permaneceu leal à um único exército nesta guerra.
Você acha bem esquisito a maneira que a infantaria dos cavaleiros tem de lutar: protegendo-se numa parede de escudos, mas você aprendeu a respeitá-los por não serem covardes, não fugirem do campo de batalha e por sua habilidade como guerreiros. Você acha meio esquisito também seus costumes (o Código e a Medida da Cavalaria), coisa de fresco que na sua opinião só atrapalha no campo de batalha ao invés de ajudar, mas você tem que admitir que o tratamento nos exércitos dos Cavaleiros é bem melhor do que na Dragonarmie, onde os castigos e as humilhações eram constantes. Apesar de ter adquirido respeito através de sua força, você ainda sofre muito com a discriminação, por ser “incivilizado”(bárbaro) e também pelo seu sangue ogro(apesar de muitas vezes você conseguir passar por um humano – bem feio – mas um humano).
Nas rodas em volta das fogueiras nos acampamentos você ouvia, entre os Cavaleiros, várias histórias sobre poderosas armas, melhoradas através de magias. Você até mesmo viu uma delas em ação nas mãos de um Cavaleiro, quando a espada transformou-se em puro fogo, multicolorido e bruxuleante, e eliminou um draconiano num único golpe. Desse dia em diante você foi dominado por um pensamento “Eu preciso de uma arma dessas”!
Lembre-se de que seus sentimentos em relação aos Cavaleiros são ambíguos, uma mistura de respeito e desprezo e raiva. O fato de a maioria te tratar com preconceito não ajuda muito.

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte II

Valéria/Pema Qualinesti Cleric

Os clérigos de Habbakuk geralmente trajam mantos sem capuz azul claro e capuzes azul marinho e um medalhão da fé de prata.
Habbakuk (a Fênix Azul), filho mais novo de Paladine e Mishakal e irmão gêmeo de Kiri-Jolith. Também conhecido como o “Rei Pescador” entre seus seguidores, foi o criador e governa todas as criaturas da terra e do mar. Habbakuk gera as criaturas a sua imagem, e é feroz, implacável e cruel como o lobo, mas pode ser gentil e tímido como o coelho. Ele é personificado pela harmonia natural entre predador e presa, temido e amado simultaneamente. Como representa o eterno ciclo da natureza, torna-se um símbolo de vida eterna além da morte, exemplificado pelo seu aspecto como a Fênix.
Os clérigos trabalham para servir às necessidades de uma comunidade: auxiliam na caça, na pesca, no pastoreio e na prevenção de ataques de animais. Devido a isso, são muito respeitados em suas próprias terras.
Todos os devotos da Fênix Azul (Habbakuk) protegem a natureza contra as criaturas que a destruiriam ou prejudicaram. Os clérigos que residem nas comunidades cuidam dos animais, sejam selvagens ou domésticos.
Você aprendeu os mandamentos da divindade de um mentor, Kemian, chamado de Pássaro Azul devido à sua inconteste fé em Habbakuk num período, que mesmo entre os elfos, a fé nos deuses estava estremecida, causando dúvidas sobre sua presença ou não no mundo de Krynn. Junto com um grupo de verdadeiros crentes você aprendeu a canalizar o poder da Fênix Azul pelo seu corpo, realizando pequenas magias. Kemian, por sua vez, conseguia realizar o que para você pareciam verdadeiros milagres, como a cura de doenças e de ferimentos profundos apenas com a imposição das mãos e as preces à Fênix Azul. Com a vinda da guerra ao continente, com o passar dos anos e a chegada de insistentes relatos e boatos sobre o retorno dos deuses, seus poderes alcançaram um novo nível. Você era capaz de curar ferimentos, os caçadores abençoados por você retornavam com belas presas e sem ferimentos, você era capaz de identificar pessoas envenenadas apenas pelo toque e criar água em suas mãos vazias.
Mas tua fé foi colocada em teste.Você apaixonou-se por um jovem integrante de seu grupo, recentemente incorporado, Harmanutis. O jovem lhe fez um pedido inusitado: você, com acesso ao palácio real, deveria roubar a legendária espada Exterminadora de Dragões(Wyrmslayer) – herança das casas reais de Silvanesti. Harmanutis disse que o roubo iria comprovar não só seu amor para com ele, mas também seu amor por Habbakuk. O sentimento em seu coração por Harmanutis sempre lhe serviu como um porto seguro, e você jamais duvidou de suas palavras ou sentimentos por você. Mas voce sabia também que um ato desses, o roubo de um artefato real do palácio, era passível de banimento de Qualinesti. Você poderia se tornar uma elfa proscrita, uma elfa negra.
A dúvida permaneceu durante uma semana após o pedido, quando iniciou-se o dia sagrado mais importante para os clérigos de Habbakuk, a Festa do Mar. Instituída pelo clero da divindade durante a fundação do Império Ergotiano, a festividade ocorre a cada cinco meses, no décimo terceiro dia. Neste dia, a luta entre seu coração que devia obediência à Harmanutis e sua mente leal à sua comunidade e suas regras terminou. Utilizando-se da distração causada pelas festividades você adentrou o palácio, retirou a espada de seu lugar de descanso e a entregou a Harmanutis.
No dia seguinte você foi presa, Harmanutis não pôde ser encontrado e nem a espada.
Você foi acusada de abraçar o mal e foi considerada uma ameaça a seu povo. Foi trazida perante um conselho de pares, onde apresentou seu caso. O Conselho a considerou culpada por unanimidade e você foi submetida ao ritual do Eclipse Solar, onde seus crimes foram apresentados perante as divindades e você teve a chance de se arrepender. Mas seu arrependimento foi ambíguo e não inteiramente sincero. A luta entre mente e coração iniciou-se novamente. Enquanto o primeiro se arrependia o segundo continuava leal a seu amor, sendo assim, você foi declarada uma elfa negra. Seu nome foi banido dos corações do povo e nenhum elfo terá permissão de proferi-lo novamente.
Ser chamada de elfa negra significa não possuir pátria, nem povo. Proibida de interagir com todos os outros elfos, de qualquer tribo, você será forçada a vagar em exílio, sempre sonhando com a terra natal que jamais verá novamente.
Kemian foi o responsável por escolta-la para fora dos limites de Qualinesti. Você recebeu provisões para viagem, uma armadura e um cajado. E as seguintes palavras foram preferidas por seu mestre:
“Somente através do perdão um elfo negro pode ser aceito novamente nos reinos éficos, mas a redenção muitas vezes torna-se uma prova difícil e perigosa. A maioria que procura esta benesse não sobrevive, embora em algumas ocasiões o próprio ato de sacrifício é o que redime o proscrito”.
“Além disso existe um último ensinamento a ser passado a você. Pelo menos uma vez durante sua vida, um clérigo da Fênix Azul deve deixar seus amigos e sua comunidade para vagar pelo mundo, levando nada além de um cajado e das roupas que veste. Esta peregrinação purifica o indivíduo e lhe ensina a verdade sobre a natureza, a divindade e você mesmo. Vá em paz, criança!

A Contrução e Demolição de uma "Estória" parte I

A intenção aqui é realizar, de forma diferente, aquilo que não foi feito da forma que foi projetado. Ou seja, detalhar a "tentativa" de construção da nossa última "campanha". Pra mim que fui o "arquiteto" dessa obra é uma descarga racional, emocional e criativa que sinto necessidade - agora - de realizar. Os motivos? Não sei, e não pretendo gastar meu tempo com investigações sobre... Um tipo de catarse se preferirem.
Comecemos, então, pelas personagens. Minha intenção na dinâmica de grupo - durante as sessões- era que cada um das as personagens/jogadores soubessem o mínimo necessário sobre as/os outras/os. As descobertas deveriam ocorrer durante o desenvolvimento da aventura, da campanha. Assim, a descoberta sobre o passado trágico envolvendo a história da família do personagem do Segundo seria feita durante a primeira parte das aventuras, com o passar das sessões. E essa história seria também responsável por amarrar a trama e o envolvimento maior ou menor das outras personagens.
Agora é tudo diferente. Cada um deve saber os detalhes das histórias ou backgrounds das personagens.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Crônicas de Dragonlance - O Diário de Attila

Na primeira página do diário, escrito em solâmnico, está o seguinte poema:

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the center cannot hold
Mere anarchy is loosed upon the world.

O resto do diário está escrito em kharolian, destacando-se os seguintes trechos:

1º Trecho

Finalmente encontrei.
A energia desse local é muito mais do que jamais sonhei. Posso senti-la. Sinto o ódio, a dor, o medo... Ouço os gritos, as súplicas. Sinto o cheiro putrefato, o odor nauseabundo de Aeleth.
O Irmão Sombrio estava certo. Devo agradecê-lo. Ele trouxe-me mais próximo de meu senhor, de meu mestre. Devo agradecê-lo por mostrar-me este lugar de maravilhas, este local amaldiçoado pelos deuses.

2º Trecho

Mais fácil do que imaginei. Manipular o magistrado para conseguir a posse dessas terras de escuridão e sofrimento. Com os documentos que tenho e com a ganância que rege a vida do Magistrado Rosa Negra. Seus ínfimos e tolos sonhos de grandeza para sua família o tornam um alvo tão fácil. Tenho puro desprezo por ele.

3º Trecho

Estou aqui a um mês. Não como mais. Não bebo. Sinto a energia vital de meu corpo esvaindo-se mais e mais a cada dia. Sinto a morte. Sinto Aeleth mais próximo. Meu poder aumenta na mesma proporção em que sinto o véu da vida escorrer por entre meus dedos.
Sou seu servo...

4º Trecho

Finalmente, sucesso!
Ele andou, andou, com a graça de Aeleth.

5º Trecho

Apesar de todo meu esforço, do conhecimento que adquiri e da minha evolução, ainda estou muito distante da relação que o Irmão Sombrio possui com Aeleth. Tenho inveja, quero também a vida eterna, quero cessar o sofrimento dentro de mim, desejo a supressão da dúvida e o poder sobre a vida e a morte.
Mas ele é o Primeiro. Ele é a sombra negra que cavalga o branco...
Talvez haja uma maneira. Sim, talvez isso já fosse predestinado por Aeleth. Sim, sim, devo me tornar o espectro que cavalga o vermelho.
E então, a Segunda Vinda estará mais próxima!

6º Trecho

Eu consigo escutá-lo. Sim, posso escutá-lo com perfeição.
Preciso de mais corpos, mais corpos...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Dois documentos especiais

04/05/2008 - 02h29

Leia correspondência inédita entre Hannah Arendt e o estudante Hans-Jürgen Benedict

da Folha de S.Paulo

Em carta de 1967, a pensadora antecipa questões que estariam no centro dos acontecimentos do Maio de 68. Hans-Jürgen Benedict

355 Marburg

Universitätsstrasse 30-32

Marburg, 3 de junho de 1967

Estimada senhora!

Ao reler, nos últimos dias, seu livro sobre a Revolução Húngara e o imperialismo totalitário, senti-me como quem recorda, depois de muito tempo, os ideais de sua própria juventude e só consegue vê-los à distância, tristemente, como através de um véu.

Do mesmo modo, os acontecimentos desde então lançaram uma nova luz sobre as suas idéias de outrora, cujo apelo não perdeu atualidade: conservar a memória dos acontecimentos é tão necessário agora como então, e a repressão brutal à revolução deve ser continuar a ser objeto de condenação. O que me parece ter envelhecido é a posição a partir da qual a senhora argumentava em seu livro. Como também me parece questionável a veemência de seu veredicto, a ênfase com que a senhora condenou o imperialismo russo.

Para começar por este último ponto: talvez a reviravolta na política russa ainda não fosse visível à época da redação do ensaio. Mas mesmo se fosse esse o caso (coisa de que duvido: a nova tendência foi volta e meia ocultada por crises e só ganhou nitidez a partir de Kossygin e da não-intervenção no conflito do Vietnã), isso justificaria o esforço de negar substancialmente ao comunismo toda possibilidade de mudança e fixá-lo definitivamente em suas feições stalinistas? Isso não significaria limitar a abertura da história no que tange à esfera de poder comunista?

Seus prognósticos quanto aos desenvolvimentos externos e internos bem podiam ser precisos naquela ocasião, mas não necessariamente assim. Justamente essa suposta ausência de potencial do "imperialismo totalitário" vem agora se vingar: já há muito que não há terror organizado na URSS, e a política exterior de coexistência da URSS vem lhe valendo a crítica de contribuir para a persistência da miséria no Terceiro Mundo.

A mudança de rumo da política russa surpreendeu a todos, de tal modo que se torna mais urgente a questão de saber de onde ela provém. A senhora concordaria com a idéia de que a etiqueta de "totalitarismo/ poder absoluto" já não faz justiça ao comunismo russo e de que já não se pode dizer que este opere unicamente por "considerações de poder" e almeje apenas a "construção de um mundo fictício"? A própria renovação do comunismo russo, tal como se exprime na definição de coexistência formulada no programa do Partido Comunista da URSS em novembro de 1961, não mostra que ele se volta a se comprometer com uma renovação do gênero humano e com um mundo melhor, que idéias originais da revolução, enterradas durante o stalinismo, voltam a cobrar vida?

Em segundo lugar: a situação se inverteu desde a Revolução Húngara. Essa mesma situação não nos força a reformular --ainda que com pesar e a contragosto-- o título de seu livro como "A Guerra do Vietnã e o Imperialismo Americano"?.

A senhora não se identificou, em seu ensaio, com a posição do Ocidente, por mais que fosse dali que criticasse o imperialismo totalitário. Tratava-se, para a senhora, de dar contornos nítidos à liberdade genuína que se mostrava na Revolução Húngara. Ao fazê-lo, a senhora excluía, de caso pensado, o problema econômico, a assim chamada questão social, de vez que esta não pertenceria, a seu ver, ao âmbito da política.

Mas a questão social não se tornou, hoje em dia, o problema político por excelência?

A luta do Terceiro Mundo contra a pobreza, a fome e o analfabetismo não tem a ver com liberdade, humanidade e solidariedade num sentido revolucionário? Sua redução do problema e sua interpretação da Revolução Francesa como má revolução não justifica o modo de pensar do governo norte-americano, que se sente no direito de intervir "onde quer que haja governo fracos e tecidos sociais instáveis" (McNamara)?

Em seu grande livro sobre a revolução, a senhora responsabilizou o pauperismo das massas na revolução francesa pela desfiguração de baixo para cima do processo de realização da liberdade revolucionária.

A alternativa, hoje, seria a pacificação americana "de cima para baixo"? E ainda por cima com a pretensão de pôr fim definitivo à "época dos revolucionários românticos e agressivos" (Walt Rostow)?

Se for assim, então essa pacificação de cima para baixo terá de reconhecer que inadvertidamente se transformou em contra-revolução no sentido clássico do termo.

Em outras palavras: em que termos a senhora esboçaria o capítulo adicional da história da revolução que os últimos desenvolvimentos tornaram necessário?

Permita-me, ainda a esse respeito, acrescentar mais uma questão, derivada da introdução a seu novo livro: mesmo contrapondo-se antiteticamente revolução e política de poder, não haverá distintas formas de violência, uma que se exerce como fim em si mesma, e uma outra que se exerce como meio de abolir a si mesma? A violência será mesmo "muda"? A resistência violenta dos oprimidos do Terceiro Mundo não fala por muitos livros?

Escrevo-lhe estas linhas no mesmo dia em que se divulgou que um estudante berlinense foi morto por um policial durante as manifestações contra o xá da Pérsia. Estas já não são questões meramente acadêmicas na Alemanha Ocidental.

Anticomunismo, falta de liberdade política e injustiça no Terceiro Mundo parecem formar um complexo. A guerra do Vietnã demonstrou para nós, estudantes, a unidade do mundo e a necessidade de transformá-lo. Começamos a entender que estamos envolvidos na persistência de situações indignas na Pérsia, no Vietnã ou no Brasil. Acreditamos ter aprendido --e em boa parte por sua influência-- com o nosso passado e por isso nos sentimos implicados onde quer que algo de semelhante se repita.

Sua resposta a estas perguntas não apenas seria de grande valia para nós como também fortaleceria nossa oposição.

Com admiração,

Hans-Jürgen Benedict

Com Tradução de SAMUEL TITAN JR.

*

Hannah Arendt

370 Riverside Drive

New York, NY 10021

25 de novembro de 1967

Prezado senhor Benedict,

O senhor está a par das errâncias de sua bela carta, que só me chegou às mãos, depois de todas as tribulações, quando eu já me aprontava a embarcar num avião. Quero tentar responder-lhe agora; é uma pena que deva fazê-lo por escrito.

O senhor diz ter relido minha brochura sobre a revolução húngara [1956]. Até onde sei, a editora Piper a retirou do mercado --com a minha concordância. Suas objeções estão corretas-- são as mesmas que me faço hoje. Não pus fé no desenvolvimento da situação na Rússia.

E, para lhe mostrar o que penso hoje, remeto-lhe em anexo a nova introdução a "As Origens do Totalitarismo", republicado aqui no ano passado. Não vale a pena mandar o livro inteiro, uma vez que não alterei nada, exceto a introdução à segunda edição (que corresponde à edição alemã); na segunda edição americana, publiquei como epílogo minhas considerações sobre a revolução húngara --que agora simplesmente excluí. Também lhe envio o prefácio inédito ao volume sobre o imperialismo de meu livro sobre o poder total-- para a edição em brochura, a editora decidiu dividi-lo em três volumes. Creio que o senhor encontrará a resposta a suas perguntas nesses textos; no caso da introdução datilografada, o senhor pode começar a ler a partir da terceira seção, à página 14. Respondo, portanto, apenas aquilo que o senhor não encontrará necessariamente nos textos anexos.

Jamais ataquei o comunismo enquanto tal, muito menos o reduzi a uma posição totalitária. Sempre me manifestei com toda clareza contra a identificação de Lênin com Stálin ou mesmo de Marx com Stálin. Não diria que o comunismo se modificou, mas sim que a forma de domínio se transformou. O que temos hoje na Rússia, é a ditadura do partido único, uma variante da tirania --e apenas isso-- que era de se esperar pelo curso "normal" das coisas após a morte de Lênin, não fosse a intervenção de Stálin. Também não acredito no "potencial" de autotransformação do sistema totalitário --seria como se uma monarquia absoluta pudesse rumar por si só para uma monarquia constitucional.

A morte de Stálin, a derrota e a morte de Hitler --esses acontecimentos externos foram decisivos. Se subestimei alguma coisa, foi o assim chamado fator subjetivo, isto é, o elemento estritamente pessoal e, a par dele, a dificuldade de encontrar sucessores para o déspota. As coisas poderiam ter tomado outro rumo, caso se tivesse encontrado alguém disposto a seguir em frente-- talvez Béria, se bem que duvido muito. Inclino-me a pensar que nem mesmo Kruschev (ou seja lá como se grafa seu nome em alemão), no ano de 1957, quando escrevi a brochura, sabia por certo até onde as coisas chegariam --por mais que estivesse bem mais decidido do que eu pensava a pôr fim aos traços mais essencialmente criminosos do sistema.

Também no que toca o seu segundo ponto --imperialismo americano no Vietnã--, estamos de acordo quanto ao essencial, como o senhor verá pelo novo prefácio.

O único elemento de consolo na história toda é que o país vai se agitando mais e mais e que o governo não pode fazer nada a respeito, se não quiser atingir os fundamentos da república. Confio que o senhor esteja a par disso e não entrarei em detalhes. Pode bem ser que estejamos no início de um novo desenvolvimento imperialista --não necessariamente totalitário; o que é certo é que a república dos EUA não sobreviverá a um tal curso das coisas, isto é, a república como forma de governo, não o próprio país. Também o país se encontra sob grave ameaça, mas isso não me importa tanto. Minha lealdade vincula-se a esta república --não ao país-- e, é claro, também às pessoas, entre as quais, feitas as contas, me sinto melhor do que nunca.

O senhor me pergunta ainda se a questão social se tornou a questão política por excelência. A luta contra a pobreza e a fome diz respeito exclusivamente à pobreza e à fome, pelo menos no que diz respeito aos pobres e famintos, que não costumam ser os que conduzem ou que poderiam conduzir essa luta.

E a luta contra o analfabetismo é cada vez mais uma pré-condição para o fim da pobreza e da fome. A pobreza e a fome (chame-as como quiser) impediram que surgisse, dos movimentos de libertação na Ásia e na África, surgisse alguma coisa com um mínimo de estabilidade. A pobreza e a fome criaram o vácuo de poder --também na América do Sul, onde a corrupção dos governos é o reverso dessa medalha-- que agora está ressuscitando o imperialismo.

Toda formação política se caracteriza pelo poder (não pela violência!) que ela é capaz de exercer; pobreza, fome e analfabetismo criam apenas impotência. Não me venha com os vietnamitas, que de fato conquistaram poder no curso da guerra de guerrilha; nós já os conhecíamos quando ainda se chamavam "indochineses". Não são absolutamente um povo miserável, mas um povo desafortunado, mas altamente dotado e herdeiro de uma cultura antiga. Trata-se, ali, de libertação nacional, mas não, absolutamente, do que entendemos por liberdade. E o mesmo vale, creio eu, para Cuba, onde cabe a nós a culpa maior pelo desdobrar dos acontecimento rumo à tirania russa. Mas olhe bem para os outros Estados sul-americanos.

Bem, chegamos então ao "capítulo adicional da história da revolução que os últimos desenvolvimentos tornaram necessário". Quisera eu ser tão otimista quanto o senhor! A Pax Americana, contra a qual Kennedy se exprimiu com veemência e que Johnson proclamou abertamente, é um pesadelo imperialista --mas, por isso mesmo, apenas um sonho.

A "pacificação de cima para baixo" de que o senhor fala é impossível tecnicamente, seja em termos militares ou econômicos. Ninguém é rico o bastante para ajudar a quem não consegue se ajudar; foi possível dar auxílio à Alemanha ou ao Japão, mas não há como ajudar a Índia, o Egito ou o Congo. E, no que diz respeito aos militares, a Guerra do Vietnã deveria ser prova suficiente de que as superpotências já não têm como conduzir guerras convencionais; e graças a Deus estão todos de mãos amarradas no que diz respeito à guerra atômica. É claro que seria possível invadir o Vietnã, o Vietnã do Norte e ocupar e violentar o país com alguns milhões de soldados. Mas, sem falar nos tremendos riscos políticos, quantas vezes um país como os EUA poderia se permitir esse tipo de coisa?

De resto, o senhor tem razão em mencionar Walt Rostow nesse contexto. Ele de fato quer uma contra-revolução, e a ideologia sob a qual navegam todos os esforços nesse sentido é o anticomunismo, cuja origem e formulação ideológica se deve, como o senhor sabe, em boa medida a ex-comunistas. Como um amigo, o crítico norte-americano Harold Rosenberg, escreveu a Sartre há alguns anos: tome cuidado com o comunismo, ele é canteiro do anticomunismo! Précisément!.

No que diz respeito à violência: não há revolução que tenha triunfado graças à simples violência. Há, é claro, o levante violento dos oprimidos, que entretanto só conseguiu alguma coisa quando o poder do Estado já estava minado. É sempre a impotência, a cólera cega e tremenda dos impotentes que se manifesta como violência.

Quando ela triunfa, o caos puro e simples se instala no dia seguinte --simplesmente porque todos que descarregaram sua ira começam imediatamente a divergir. Daí não virá nenhuma resistência. E, se acha que algo do gênero está se dando no Vietnã, creio que o senhor está fundamentalmente equivocado. E creio haver algo do gênero, um erro do mesmo gênero, em outra de suas observações. O senhor afirma que a guerra do Vietnã teria revelado aos estudantes "a unidade do mundo e a necessidade de transformá-lo". Quanto a esse último ponto, podemos concordar sem mais delongas; mas a "unidade do mundo", supondo que o senhor entenda por esse termo mais que uma espécie de solidariedade, é apenas um sonho. Apenas em termos técnicos o mundo constitui uma espécie de unidade. Sob todos os outros pontos de vista, sobretudo no que diz respeito à política e às chances de um desenvolvimento rumo à liberdade, cada país constitui um caso à parte.

Tome a questão da guerra de guerrilha. Sem dúvida, uma modalidade de luta muito eficaz para povos oprimidos, sobretudo diante de invasores estrangeiros. Mas quantos povos, em sua opinião, estão em condições de organizar uma guerra assim? Não se esqueça de que a expressão Terceiro Mundo é apenas um conceito negativo e se refere a todos aqueles povos que não se encontram nas esferas de poder russa ou americana. O senhor acha mesmo que isso basta para constituir uma unidade?

Quanto ao seu último ponto, não resta dúvida de que estamos envolvidos na persistência de "condições indignas" na Pérsia, no Vietnã e no Brasil, mas não cabe a nós transformá-las. Esta me parece ser uma espécie de delírio de grandeza às avessas. Tente fazer política na Pérsia, e o senhor logo estará curado. Sua responsabilidade diz respeito a impedir que se perpetuem condições indignas na Alemanha ou que se matem estudantes durante uma manifestação. Temo que isso já o manterá mais que ocupado.

Politics, like charity, begins at home. Se amanhã --e isso seria bem possível--, após a retirada das tropas americanas do Vietnã, os vietnamitas começaram a se degolar mutuamente, eu não me sentirei em nada responsável. A política é sempre, entre outras coisas, a arte do possível, e as possibilidades dos homens e dos povos são sempre limitadas. Não reconhecer esses limites é um delírio de grandeza, por mais que este se oculte por trás de sentimentos sublimes.

E isto, em política, é muito perigoso, ainda mais na Alemanha. Espero que não tenha aprendido isto com meus escritos. É verdade que Clémenceau disse (durante o affaire Dreyfus): "L'affaire d'un seul est l'affaire de tous", mas é claro que ele se referia a todos os franceses. Se um cavalheiro de Pequim tivesse aparecido então para lhe dizer que o affaire também lhe dizia respeito, Clémenceau provavelmente o teria julgado ligeiramente perturbado.

Não me leve a mal! Tais confusões, por mais que sejam elementares, produzem-se facilmente quando se começa a generalizar. Em certo sentido, todos nós incorremos nelas, mas é preciso prestar atenção para não perder o bom senso.

Nenhum de nós pode mudar todo o mundo, porque nenhum de nós pode ser cidadão do mundo; e costumam se inclinar por uma responsabilidade mundial justamente aquelas pessoas que fogem, por razões compreensíveis, à responsabilidade por seu mundo. Não há como determinar teoricamente os limites, que entretanto facilmente se mostram em termos práticos. Quando se trata de política, é preciso aprender a pensar em termos limitados.

Isso não é fácil para quem, como o senhor ou como eu, vem de uma tradição filosófica pesada e grandiosa como a alemã, pois é da essência do pensamento transpor limites.

Poderíamos continuar a conversar e a discutir nestes termos, sem --quero crer-- cair em birras ou meras disputas. Mas está carta já está longa demais. E agora me ocorre que não lhe escrevi com uma cópia em carbono para o professor Bahr. Posso pedir que encontre uma máquina xerox e lhe faça chegar uma cópia?

Com os melhores votos, sua

Hannah Arendt

Tradução de SAMUEL TITAN JR.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Ordem do Martelo - Crônicas



A Glória pela Espada - quarta parte


Um relâmpago iluminou os céus, seguido de um estampido que pareceu atingir o mundo inteiro. O ar se preencheu com eletricidade. A apreensão e a adrenalina tomaram conta de todos, à exceção de um homem. Amhar tomou em sua mão seu martelo de guerra, símbolo de sua liderança entre os demais. Com o martelo virado para baixo e um rubi, na extremidade da haste, virado para o palato, ele andou até o meio do círculo. O direito à voz era agora seu. Inconteste. Sua palavra era Lei.
- As palavras de Malathesta e Aquedaban são sábias e merecem uma maior reflexão. Mas não é para isso que estamos aqui. Não viemos para discutir política, nossa opinião não foi pedida! Não viemos para refletir sobre a posição de nossa Ordem dentro do Reino! Viemos para lutar! Lutar...e matar! – Espada Negra deixou um pequeno sorriso surgir em seu rosto ao ouvir tais palavras, enquanto os olhos de Amhar percorreram os olhos de seus companheiros. Um por um ele perscrutou a face deles até se fixar nos olhos do Espada Negra, e continuou.
- Prestem atenção! Não viemos trazer a guerra e a morte a nossos inimigos para preencher nossos destinos ou para trazer glória a nossos nomes. Não devemos levantar nossas armas em vão. Como o próprio Espada Negra nos disse o Rei possui obrigações para com seus guerreiros. E seus guerreiros possuem obrigações para com seu Rei! E nossa obrigação, segundo nosso Rei, é proteger estas terras. A minha como guerreiro de minha Ordem e como homem de meu Rei. A de vocês como acólitos da Ordem do Martelo.
- E como iremos realizar tal tarefa? – questionou Daher. - Como Hurao disse, oito de nós, mesmo apoiados pela guarnição da fortaleza, não são páreos para um bando de guerra. Pelo menos não em campo aberto. E se ficarmos fortificados em Vau d’Água não teremos como proteger as terras que a circundam, como disse Malathesta. Como podemos proteger essas terras?
- Não podemos! Por isso defenderemos a Passagem Sul. – interveio Cedorn.
O grupo olhou espantado para o velho soldado. Todos em silêncio esperaram que ele desvendasse o significado daquelas palavras. A verdade é que com exceção do próprio Cedorn e de Amhar nenhum dos homens daquela comitiva havia descido tão ao sul do Reino. Eram todos guerreiros testados em campo de batalha – uns mais, outros menos – mas que haviam lutado a maior parte de suas batalhas no leste. Nenhum deles havia atravessado a Passagem Sul. Amhar sabia muito bem que a trilha pela passagem, por muitas vezes, se estreitava permitindo no máximo três homens ombro a ombro. Havia um ponto de particular interesse. Na última descida para se chegar ao outro lado da Grande Muralha. Ali a trilha era suficientemente estreita para que eles pudessem formar uma pequena parede de escudos. Além disso, no início da descida havia um pequeno platô que daria à ele e aos seus homens a vantagem na luta por estarem em terreno elevado em relação aos inimigos. Amhar e Cedorn sabiam que a única chance, e ainda assim arriscada, que tinham de segurar os orcs era com a vantagem geográfica à seu lado. Diminuindo os efeitos da vantagem numérica do inimigo eles poderiam tentar aumentar suas chances através da habilidade de seus guerreiros. E foi isso que Cedorn contou aos outros.
- Mas para que tudo dê certo precisamos nos posicionar antes que os orcs iniciem a subida da passagem do outro lado da montanha – disse Amhar. – Por isso você deve partir imediatamente Malathesta. Rastreie o bando de guerra. Quando iniciarem a subida nos encontre no platô. Você deve ir agora! Há um cavalo preparado para você. Lembre-se, precisamos ter idéia de quantos são e como estão armados. Vá!
Malathesta nada respondeu. A ordem era simples e direta. Pegou seu arco, foi ao estábulo e sob a proteção da chuva deixou a fortaleza rumo ao sul.
- Quanto ao resto de nós, devemos pegar alguns suprimentos. Depois devemos partir também, o mais rápido possível...

A Ordem do Martelo - Crônicas



A Glória pela Espada - terceira parte


- Então, qual é o plano? – indagou Daher, após alguns instantes. – Fortificar Vau d’Água e enviar um mensageiro ao castelo de Clonwel?
Malathesta que estava agachado, apoiando-se em seu arco longo, balançou a cabeça negativamente. – Se fizermos isso poderíamos resistir até que o Rei Athlone se decidisse a enviar tropas suplementares, mas todos aqui sabem que isso não irá acontecer! Ele prefere perder todas as vilas do sul saqueadas a despender qualquer soldado de infantaria ou arqueiros, quanto mais cavalaria! Ainda mais com a trégua com Canistorgis tão frágil.
- Você tem razão Irmão – disse Hurao. – Mesmo que resistíssemos aqui dentro, todo o extremo sul, suas vilas, plantações, homens e mulheres, crianças e velhos seriam arrasados pelo bando de guerra. Mas, qual é a opção? Lutar em campo aberto? Você deve saber que nem com a guarnição dessa fortaleza nos apoiando, seríamos capazes de vencer! Seríamos massacrados...
Malathesta levantou-se abruptamente – Há bom senso em suas palavras Irmão. Mas prefiro a morte em batalha do que ouvir de um guerreiro da Ordem que ele prefere o bom senso à espada.
A face de Hurao ruborizou-se com a raiva e sua mão escorregou até a espada em sua bainha. – Ora, seu...
- Parem com isso! – bradou Cedorn. – Que o Relâmpago e o Trovão queimem sua carne e quebrem seus ossos se qualquer um de vocês ousar levantar seu braço contra o outro. - Deu um passo adiante e colocou-se no centro do círculo formado pelos homens. – De qualquer maneira, nosso dever aqui é matar essas criaturas, e para isso nada melhor que nossas espadas. Não há como fugir dessa verdade. Mas não há nada que nos impeça de utiliza-las com bom senso.
Aquedaban, o Espada Negra, que até este momento havia permanecido em silêncio, e que, dentre todos da comitiva, melhor conhecia Malathesta, adiantou-se até o centro do círculo, deixando claro sua requisição pelo direito à palavra. Cedorn, reconhecendo o direito de seu companheiro, afastou-se calmamente. O Espada Negra, então, falou:
- Malathesta Flecha Longa está correto. Não há razão para bom senso ou ponderações agora. Athlone não é um tolo. E todos aqui sabem! É pouco provável que ele e seus conselheiros não tivessem pistas do que ocorria além da Grande Muralha. A possibilidade de haver um bando de guerra orc nessas terras deve, pelo menos, ter cruzado a mente do Rei.
- Onde você quer chegar, Espada Negra? – indagou Hurao.
- Athlone está preso, como senhor destas terras, à algumas obrigações. Seu compromisso com seus guerreiros, mesmo em terras pouco importantes como as meridionais, é auxilia-los na defesa de suas posses. Mas sua maior preocupação, como disse nosso Irmão, é com Canistorgis e as terras na fronteira oriental do Reino. Ao enviar uma comitiva de nossa Ordem para exterminar um “mero grupo de pilhagem” ele, ao mesmo tempo em que cumpre sua obrigação de auxiliar seus vassalos, pode se escusar de culpa pela pilhagem de Vau d’Água e dos campos sulistas, pois, aos olhos de todos, não haviam informações sobre um pequeno exercito pronto a atravessar a Passagem Sul.
A chuva permanecia incessante e Malathesta, tomando o lugar de Aquedaban no centro do círculo, continuou:
- Ora, todos sabemos que nossa Ordem carece de maior poder dentro do Reino. Há outras com maiores privilégios junto ao Rei. Se morrermos não haverá comoção. É um sacrifício fácil para ele, algumas vilas esparsas, uma fortaleza e oito Martelos de Guerra. Fomos mandados aqui para morrer!
- Portanto, não há razões para bom senso! Vamos empunhar nossas espadas e derramar sangue. Somente o caminho da espada importa agora! – Aquedaban complementou, ao mesmo tempo sério e irritado.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

PRECE

Que a minha prece seja, não para ser protegido dos perigos, mas para não ter medo de enfrentá-los.
Que a minha prece seja, não para acalmar a dor, mas para que o coração a conquiste.
Permita que na batalha da vida não procure aliados, mas as minhas próprias forças.
Permita que não implore no meu medo, ansioso por ser salvo, mas que aguarde a paciência para conquistar a minha liberdade.

Rabindranath Tagore

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Batalha no forte

Estava no alto da colina, tinha somente uma visão afastada do forte; logo os batedores desceram, com o intuito de descobrirem pontos estratégicos e informações mais detalhadas para que pudéssemos traçar nossos planos de resgate.
A tarde passou sem qualquer notícia deles, soubemos mais tarde que o Kipp conseguiu observar dentro da casa grande, mas foi interrompido por uma escuridão que alguém dentro da casa tinha conjurado, havia pelo menos um mago ou um clérigo entre eles, não eram simplesmente bandidos de beira de estrada, eram pessoas treinadas para lutar. Três homens abandonaram o forte e seguiram caminho pela estrada. Maulraux e Kipp abordaram os homens e mataram dois deles, o terceiro foi amordaçado, tinham a intenção de interrogá-lo, porém um grupo de 10 homens vindos do forte apareceu na estrada; o suposto refém foi abandonado e nossos amigos fugiram, voltando para a colina. O forte sabia da presença de pessoas estranhas na redondeza e desconfiados melhoraram a guarda interna.
Esperamos o entardecer e avançamos até o local onde os reféns estavam presos, porém fomos descobertos ao tentarmos pular a muralha e tochas foram lançadas na nossa direção. Corremos ao redor do forte chegando perto do lago; graças à Sêlune a noite estava clara e pudemos nos movimentar com facilidade. Nos dividimos em dois grupos: o bárbaro, o mago/clérigo e eu, no outro o drow e o menino. Nossa prioridade era salvar o grupo de cativos, enquanto um grupo fazia o resgate, nós chamaríamos a atenção para um outro ponto. Antes de avançarmos estabelecemos um plano de fuga, caso nossa empreitada falhasse.
Utilizamos das magias que pudessem gerar maior proteção, e fizemos com que o bárbaro fosse protegido e seu ataque aperfeiçoado (ele também cresceu, tinha quase uns três metros) também recebeu uma magia que permitiu que pudesse escalar as toras da muralha com maior facilidade. Me concentrei e fiz uma névoa obscurescente ao nosso redor para nos proteger das flechas vindas das torres, mas pouco tempo depois começou a soprar um vento forte, que espalhou a névoa com uma rapidez incomum. O bárbaro me carregou, juntamente com o Novartis muralha acima, ao pousarmos do outro lado fomos recebidos por uma leva de soldados e mesmo com a névoa recebemos ataque de flechas, algumas envenenadas que diminuíram a força do bárbaro, porém parecia que ele não sentia nem as dores do ataques.
O cheiro de morte estava em todo lugar, o ar estava denso, cheirava a ferro vindo do sangue, gritos de dor e agonia misturados aos urros de raiva, lâminas se chocando, o som do martelo destroçando corpos, à luz bruxuleante das fogueiras a cena tornava-se mais assustadora beirando o irreal. Mas ao mesmo tempo havia a sensação de vitória que vinha a cada inimigo derrubado...
Flechas zuniam perto de nós e soldados armados com espadas avançavam em nossa direção, aqui raios de luz surgiam como resposta, logo mais, flechas e marteladas; cada um empenhado dando o máximo da sua arte.
O bárbaro estava coberto de sangue, dele próprio e em grande parte das pessoas que ele eliminava. Mal dava tempo dos inimigos se reorganizarem tal era a velocidade com que ele derrubava e destroçava. Em uma das torres ele avançou munido de seu martelo que emitia um som que por si só já assustava e desferiu um golpe preciso o suficiente para liquidar os arqueiros que estavam lá.
Os sons foram diminuindo até restar somente as vozes conhecidas das pessoas que compõe o nosso grupo. A nossa volta só havia corpos e destroços. Restava ainda uma última ameaça, talvez a maior e mais perigosa... a casa grande.
Nos reorganizamos para olhar dentro da casa, Maulraux tomou a dianteira. Os inimigos já esperavam pela nossa iniciativa e estavam organizados, dispararam flechas e uma envenenada atingiu em cheio o droll (não pude fazer nada...).
O bárbaro começou a ficar estranho, sua face estava transfigurada em uma máscara sangüinaria, um olhar destruidor e ensandecido dardejava morte, ele avançou sobre homens que estavam fugindo amedrontados e desferiu mais golpes fatais, não havia clemência.
A casa estava repleta de inimigos, havia magos e até mesmo um meio-ogro, a cada cômodo novos ataques; me surpreendi com o menino que escondeu-se em uma esquina do corredor e sozinho atacou e silenciou um mago antes mesmo que ele pudesse perceber de que direção vinha as flechadas. Foi lá que nos defrontamos com o chefe deles, e lá ele recebeu vários golpes até a morte alcança-lo.
Utilizei de todos os poderes concedidos pela minha deusa para salvá-los, estava esgotada... havia muita dor, muitas mortes, sangue por todos os lados e muito corpos. Juntamos esforços, nossas últimas forças para recolher os corpos e cremá-los. Que os deuses possam olhar por todos nós.
O bárbaro decepou a cabeça do chefe deles e de mais um homem, amarrou essas duas cabeças em seu cinto (nesse momento ele estava parecido com o homem das garras) e arrastou os corpos para empalá-los; inutilmente me coloquei na sua frente junto com o Kipp, para impedi-lo de cometer essa sandice, mas ele permaneceu irredutível na sua decisão. Vi o mal tomando conta dele.
Conversei muito com ele, expliquei que não havia a necessidade de carregar a cabeça do chefe para recebermos a recompensa, que o capitão do forte confiava em nós, uma vez que o salvamos das maldades daquele clérigo no cemitério. Ele se acalmou e devolveu as duas cabeças para que pudéssemos cremá-las, oferecendo assim o mínimo de respeito por eles.
O drow não passou a noite conosco, seguiu o rastro deixado pelos recém libertos reféns. Permaneci com o restante do grupo na casa grande para descansar. Pela manhã juntamos os mantimentos e animais que seriam úteis. Ao deixar o local senti um grande alívio, a luz do dia a cena era mais aterradora. Uni meu coração ao da Grande Deusa Sêlune, roguei pelos que ali haviam feito a viagem de retorno.
Alcançamos o restante do grupo ao entardecer, avançamos lentamente devido os animais e a carga que transportávamos.
Foi grande a alegria das pessoas que reencontravam seus familiares há muito apartado deles. A cidade ficou agradecida pelo tanto que contribuímos para a reestabilização daquele local.
Aproveitamos para descansar, reparar nossas armaduras e nos prepararmos para retomar a viagem. Acho que entre as pessoas do local os nossos feitos tornaram-se uma lenda, com o tempo talvez só as crianças acreditem que há muito tempo atrás um grupo pouco ortodoxo enfrentou mortos-vivos, ressuscitou um mago, ergueu um monumento a vida onde antes só havia sombras e tomou um forte em apenas algumas horas...
Lunara

domingo, 18 de novembro de 2007





O animal que indaga o vento,

que perscruta o céu

e explora o divino.

E eu?

Indago a terra?

Perscruto o chão?

exploro a vida...(ou tento).

Anômimo.

(A imagem é gravura de Katsushika Hokusai).

sábado, 3 de novembro de 2007

Ordem do Martelo - Crônicas


A Glória pela Espada - Segunda parte



Com um gesto de mão, Amhar chamou Cedorn e se dirigiu ao grande salão de Vau d’Água. Os outros seis esperaram sob a chuva, procurando abrigo debaixo da plataforma de uma das torres. Todos os olhos estavam sobre eles e, embora não pudessem ser ouvidos percebia-se, pelo comportamento gestual das pessoas no local, que sussurros espalhavam-se pela fortaleza.
Horas pareceram ter passado. A chuva continuava a se precipitar incessantemente. Sopa e pão foram trazidos para os seis homens que continuavam esperando, encapuzados, debaixo da torre sul. A porta do grande salão abriu-se e de dentro saiu um homem barbudo de meia-idade disparando ordens para os soldados do lado de fora. Amhar e Cedorn apareceram à seguir e se dirigiram à seus companheiros.
Amhar, apesar de não ser o mais velho do grupo, era um guerreiro extremamente experiente. Devia possuir cerca de quarenta anos, vinte e cinco dos quais vividos em campos de batalha e casernas. Um homem cuja personalidade havia sido forjada para e pela espada. Austero e resoluto. Possuidor de algumas dezenas de cicatrizes e de estatura superior à mediana, seus longos cabelos já haviam trocado a matiz dourada pela cinza, enquanto sua barba era uma amalgamação de gradações entre o áureo e o gris. Seus olhos negros carregavam uma intransigência cujo limite poderia se confundir com a crueldade. A crueldade de um soldado. Em sua cintura carregava um martelo de guerra com um rubi vermelho incrustado no fim da empunhadura: símbolo do poder de comando e do direito de impor punição sobre seus iguais. Além do capuz e das roupas normais que utilizava, carregava um fardo, cingido por um grosso tecido, e um escudo circular de madeira e couro, pintado com um martelo de guerra vermelho, símbolo da Ordem, e uma raposa negra, seu símbolo pessoal.
Cedorn, entre os oito martelos, era aquele que havia visto o maior número de primaveras. Seu corpo, apesar de já enrugado, era forte e sadio. O crânio era liso e seu diferencial era, com certeza, sua mente ágil e seu espírito agudo, arrebatado pela certeza de sua fé na Água, no Trovão e no Relâmpago. A trindade de elementos comandada pelo patrono da Ordem do Martelo, Bel. Seu braço esquerdo era inútil para a guerra. Herança de um ferimento causado por um mago Comata, nas Guerras Orientais com a cidade-Estado de Canistorgis. Vestia uma armadura de couro surrada, mas de ótimo material e manufatura. O peitoral da armadura possuía a constelação de Sagitário em baixo relevo. Ornamentada com fios de prata, o desgaste da peça ficava evidente através da existência de algumas falhas no desenho. Preso ao pescoço por uma corrente de prata havia um amuleto. A peça consistia de um círculo de prata de dois centímetros de raio com um martelo de rubi incrustado, e circundado por um fio de ouro. Na cintura carregava uma espada curta embainhada e um cinto com vários alforjes. Foi o primeiro a falar ao grupo de homens:
- Os augúrios estão sempre presentes. Nossa tarefa é apenas reconhecer e então agir em relação à irmandade de todas as coisas. Mas na maioria das vezes estamos cegos ou somos prepotentes demais para reconhecer os sinais. Alegrem-se meus amigos! – um sorriso jocoso surgiu em seu rosto.
- Assim como a chuva se derrama sobre este solo, sangue será derramado também – sentenciou.
Seus companheiros, apesar de pouco entenderem sobre o que o velho Cedorn falava, se divertiam, como sempre, com suas palavras.
Amhar, então, falou.
- Não estamos lidando com um mero grupo de pilhagem orc... Segundo o capitão de Vau d’Água há um bando de guerra pronto para atravessar a Passagem Sul – a chuva pareceu precipitar-se ainda mais forte, se é que era possível, trazendo consigo estrondorosos trovões que podiam ensurdecer um homem.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Algumas considerações sobre o Bushidô e os samurais

Para os personagens que gostam de ser "lawful" e ter obrigações...


O papel do samurai era simples: sua obrigação consistia em lutar e, se necessário, morrer por seu amo.

Uma conhecida frase contida em Hagakure (1716), o livro sagrado do samurai (de Tsunetomo Yamamoto - 1659-1719 - súdito do feudo de Saga), diz: “A filosofia de bushi está na morte”. Isso significa que “mesmo sendo chamado de morte fútil, quando estiver no limiar entre a vida e a morte, deve-se posicionar para o lado da morte. Não há necessidade de pensar se essa atitude seria fiel ou infiel, leal ou desleal. Simplesmente ensina-se para escolher a morte. Bushidô é pensar toda manhã na sua forma de morrer, imaginando somente a sua imagem gloriosa na morte, e assim eliminar o apego em relação à vida”. Afirma, ainda, com frieza, que “esse mundo é como se fosse um boneco mecanizado.”

No seu livro intitulado Budo Shoshinshu (Introdução à Filosofia do Samurai), Daidoji Yuzan (1639-1730 - estrategista) explica também que “desde o primeiro até o último dia do ano, deve-se preparar ininterruptamente para a morte. Concentrando-se na morte, não se desviará do caminho da fidelidade e da lealdade, podendo livrar-se de todos os males e infortúnios. Estará fisicamente livre de doenças e calamidades, terá longevidade, aprimorando-se o seu caráter e incorporando virtudes”.

Qualquer coisa que pudesse aumentar suas chances de sobrevivência despertava nos samurais um grande interesse. As armas e armaduras eram cada vez mais aperfeiçoadas, e instrutores profissionais, sistematicamente, ensinavam técnicas de combate, desenvolvendo suas próprias ryus (escolas ou estilos de esgrima) ou tradições e investigando métodos de preparação psicológica e espiritual. Foi na área da preparação psicológica que descobriram o valor do Zen e mais tarde da doutrina confucionista.

O bushidô constitui-se no código dos princípios morais que os guerreiros deviam observar tanto em sua vida diária como em sua profissão, ou seja, os preceitos e regras da obrigação da classe guerreira. Não se trata, contudo, de um código escrito, visto que consta, quando muito, de umas poucas máximas que correram de boca em boca ou saíram da pena de algum grande guerreiro ou sábio. Trata-se, com muito maior freqüência, de um código não enunciado que se estabeleceu não por obra de um célebre criador ou sobre a vida de um só personagem, mas sim como produto orgânico de séculos de experiência militar.

As três principais fontes do Bushido no Japão foram as filosofias budista, xintoísta e confucionista. O confucionismo alcança o seu apogeu no período Edo, sob a égide do xogunato que o adota como base filosófica de governo.

O Budismo se relaciona com o bushidô através do destemor do perigo e da morte. O samurai não temia a morte pois acreditava nos ensinamentos budistas, que pregavam a vida após a morte. Voltaria no encargo de guerreiro em suas contínuas reencarnações. Os samurais não tinham medo do perigo, as técnicas de meditação do Zen, foram usadas como um meio de limitar esse temor. Com os ensinamentos Zen os samurais buscavam entrar em harmonia com seu “eu” interior e com o mundo a sua volta. O desapego era a base do samurai, com a pratica do desapego, o samurai se tornou a maior casta de guerreiros que já existiu.

O Zen atraía a classe dos militares por diversas razões. Era o método que dava mais valor à experiência direta do que à especulação intelectual e que estimulava o desenvolvimento de uma personalidade corajosa, autoconfiante e ascética, atributos estes que um guerreiro considera sedutores. Obviamente, a capacidade de manter a calma e a mente em ordem diante da morte foi de grande utilidade para o samurai e, por isso, em toda a área de Kamakura, quando da introdução do Zen no Japão, surgiu uma forma do Zen conhecida como o Zen do Guerreiro. Como, provavelmente, os samurais não iriam se familiarizar com os textos e as histórias clássicas do Budismo chinês apareceu um método conhecido como Shikin Zen (no mesmo instante que o Zen), no qual os koans usados eram decorrentes da experiência cotidiana dos samurais, em vez dos clássicos contos chineses. Apesar dos samurais terem sido, inicialmente, atraídos para o Zen com uma finalidade prática limitada, não há dúvida de que se deve ao Zen a maturidade espiritual de muitos.

O bushidô foi influenciado, também, pelos preceitos do Xintoísmo, como a lealdade, o patriotismo, e a reverência aos seus antepassado. Com tal lealdade para com a memória de seus ancestrais, os samurais empenhavam essa mesma reverência ao imperador e ao seu daimyo ou senhor feudal. O xintoísmo também forneceu importância para o patriotismo com seu país, o Japão. Eles acreditavam que a Terra não existia apenas para suprir as necessidades das pessoas. É a residência sagrada dos deuses, dos espíritos de seus antepassados. A Terra deve ser cuidada, protegida e alimentada por um patriotismo intenso.

O Confucionismo ofereceu ao bushidô sua crença em relação aos seres humanos e suas famílias. O confucionismo ressalta o dever filial e as relações entre senhor e servo, pai e filho, marido e mulher, irmão mais velho e mais novo e entre amigos, que são seguidas pelos samurais. Junto com estas virtudes, o bushidô também prega a justiça, benevolência, amor, sinceridade, honestidade, e autocontrole. Justiça é um dos principais fatores no código do samurai, assim como o amor e a benevolência que são suntuosas virtudes dos samurais.
O bushidô significa a vida total do guerreiro, sua devoção a espada, seu respeito às normas ditadas pelo Confucionismo. Não é apenas um sistema de ética a ser seguido pelas classes sociais. É a estrada do cosmo, os vestígios sagrados dos Céus, apontando o caminho.

No que diz respeito estritamente às doutrinas éticas, os ensinamentos de Confúcio foram a maior fonte para o bushidô. A calma, a beneficência e a sabedoria de seus preceitos políticos e éticos eram particularmente atrativos para os samurais, que formavam a classe dirigente. As características aristocráticas e conservadoras de seus ensinamentos se adaptavam bem às necessidades desses guerreiros.

O bushidô, centralizado nos deveres para com os senhores, sem conflitos com os sentimentos humanos, ou melhor, os sentimentos humanos se realizam na plenitude da lealdade devida a seus superiores, numa metodologia de controle do instinto e até de autopreservação irracional em nome de um anular-se de si mesmo em prol de seus senhores e mesmo nesse campo o sentimento extático de servir confere à lealdade um caráter mais dramático do que propriamente racional. Esse tipo de sistema de pensamento caracteriza-se como porta-voz de um pensamento neoconfucionista.

sábado, 20 de outubro de 2007

Sei que não é o assunto do blog, pelo menos não costuma ser. Mas publiquei assim mesmo.
O texto é do escritor peruano Mario Vargas Llosa, e desperta reflexões. Pelo menos as minhas estão bem acordadas. Não deixo de pensar no esgoto aqui de casa(aaarggghhh!!!)
Segue abaixo

Até.

O Cheiro da Pobreza

Mario Vargas Llosa
O objeto que representa a civilização não é o livro, o telefone, a Internet ou a bomba atômica. É a privada.

Há três anos durante uma viagem de Lima a Ayacucho por terra, fizemos uma escala no meio de uma chapada na cordilheira, numa aldeia onde havia um pequeno posto policial. Pedi licença ao chefe para usar o banheiro. “À vontade, doutor”, disse ele gentilmente. “O senhor quer urinar ou defecar?”. Respondi que a primeira afirmativa. Sua curiosidade era acadêmica porque o “banheiro” do posto era um cercado exposto à intempérie onde urina e fezes se confundiam em meio a nuvens de moscas e um fedor estonteante.

A lembrança dessa cena me perseguiu sem trégua enquanto, às vezes tapando o nariz, eu folheava as 422 páginas de um relatório, recentemente publicado pelas Nações Unidas, intitulado A água para lá da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água. A prudência do título e a frieza e neutralidade de sua redação burocrática não impedem que esse extraordinário estudo, sem dúvida inspirado na sábia concepção de economia e progresso de Amartya Sen – um economista que não acredita que progresso se resuma a estatísticas -, estremeça o leitor, ao confrontá-lo com rigor cruel à realidade da pobreza e seus horrores no mundo em que vivemos.
A pesquisa realizada por Kevin Watkins e sua equipe deveria ser consulta obrigatória para todos os que queiram saber o que significa – na prática – o subdesenvolvimento econômico, a marginalização social e o fosso que separa as sociedades que os padecem daquelas que já atingiram um nível de vida alto ou médio.
A primeira conclusão dessa leitura é que o objeto que representa a civilização e o progresso não é o livro, o telefone, a Internet ou a bomba atômica, e sim a privada. Onde os seres humanos esvaziam a bexiga e os intestinos é determinante para saber se ainda estão mergulhados na barbárie do subdesenvolvimento, ou se já começaram a progredir. As conseqüências desse fato simples e transcedental na vida das pessoas são vertiginosas. No mínimo um terço da população do planeta – uns 2,6 bilhões de pessoas – não sabe o que é um sanitário, uma latrina, uma fossa séptica, e faz suas necessidades como os animais, no mato, à beira de córregos e mananciais, ou em sacolas e latas que são jogados no meio da rua. E mais ou menos 1 bilhão utiliza água contaminada por fezes humanas e animais para beber, cozinhar, lavar a roupa e fazer a higiene pessoal. Isso faz com que pelo menos 1,8 milhão de crianças morram, a cada ano, vítimas de diarréia. E que doenças infecciosas como cólera, tifo e parasitoses, causadas pelo que o relatório chama eufemisticamente de “falta de acesso ao saneamento”, provoquem enormes devastações na África, na Ásia e na América Latina, constituindo a segunda causa de mortalidade infantil no mundo.
Num importante bairro de Nairóbi, no Quênia, chamado Kibera, é generalizado o sistema das chamadas “privadas voadoras”, sacolas de plástico em que as pessoas fazem suas necessidades para em seguida atirá-las na rua (daí o nome). A prática eleva as doenças infecciosas no bairro a níveis altíssimos. E os principais atingidos são as crianças e as mulheres. Por quê? Porque cabe a elas cuidar da limpeza doméstica e do transporte da água, e com isso se expõem mais ao contágio do que os homens.
Em Dharavi, uma zona populosa de Mumbai, na Índia, há um único banheiro para cada 1440 pessoas, e na estação das chuvas as enxurradas transformam as ruas da cidade em rios de excrementos. A fartura de água é, nesse caso, como no de muitas outras cidades do terceiro mundo, uma tragédia: as condições de existência fazem com que a água, em vez de vida, seja muitas vezes instrumento de doença e morte.
Paradoxalmente, a questão da água, indissociável da do saneamento, é talvez o principal problema que mantém homens e mulheres prisioneiros do subdesenvolvimento. Os dados do relatório são concludentes. Quando os pobres têm acesso à água, trata-se em geral de águas com todo tipo de bactérias, de males que os contaminam e matam. Mas, na maioria dos casos, a pobreza condena as pessoas a uma seca ainda mais catastrófica para a saúde e para as possibilidades de melhorar as condições de vida. Uma das conclusões mais chocantes da pesquisa é de que os pobres pagam mais caro pela água do que os ricos, justamente porque os povoados e bairros onde eles vivem carecem de instalações de abastecimento e descarga, o que os obriga a comprá-la de fornecedores comerciais, a preços exorbitantes.
Assim, os habitantes dos bairros pobres de Jacarta (Indonésia), Manila (Filipinas) e Nairóbi (Quênia) “pagam 5 a 10 vezes mais por unidade de água que as pessoas que vivem nas zonas de elevado rendimento das suas próprias cidades – e mais do que pagam os consumidores em Londres ou Nova York”. Esse preço desigual faz com que os 20% de famílias mais pobres de El Salvador, Jamaica e Nicarágua invistam um quinto de seus rendimentos em água, ao passo que no Reino Unido o gasto médio dos cidadãos com a água representa apenas 3% de sua renda.
Não resisto a citar essa estatística do relatório: “Quando um europeu puxa uma descarga, ou quando um americano tom banho, utiliza mais água do que a disponível para centenas de milhões de indivíduos que vivem em bairros degradados ou zonas áridas do mundo em desenvolvimento”. E também a estimativa de que, com a água poupada caso os “civilizados” fechássemos a torneira enquanto escovamos os dentes, um continente inteiro de “bárbaros” poderia tomar banho.
À primeira vista, não parece haver muita relação entre a falta de água e a educação das meninas. E, no entanto, ela existe e é estreita. O relatório calcula que muitos dias letivos são perdidos a cada ano por causa de doenças ligadas à água, e que milhões de meninas faltam à escola e recebem uma educação deficiente ou nula, e em todo caso inferior à dos meninos, por terem que buscar água diariamente em açudes, rios e poços que, muitas vezes, ficam a horas de caminhada.

Em Os Miseráveis, Victor Hugo escreveu que “os esgotos são a consciência da cidade”. Numa dessas digressões do narrador que pontuam o romance, enquanto Jean Valjean chapinhava na merda com o desmaiado Marius às costas, arriscou uma curiosa interpretação da história a partir do excremento humano. O formidável estudo da ONU faz coisa parecida, sem a poesia nem a eloqüência do grande romântico francês, mas com muito mais conhecimento científico. Propondo-se a apenas descrever as circunstâncias e conseqüências de um problema concreto que atinge um terço da humanidade, o relatório radiografa com dramática precisão o extraordinário privilégio de que os outros dois terços desfrutamos toda vez toda vez que, quase sem perceber, abrimos uma torneira para lavar as mãos ou o chuveiro para receber esse jato de água fresca que nos limpa e revigora, ou quando, impelidos por uma dor de barriga, sentamos na intimidade do banheiro, aliviamos as entranhas e, distraídos, limpamos com um pedaço de papel higiênico todos os rastros dessa cerimônia, para em seguida puxar a descarga e sentir, no turbilhão do vaso, nossa sujeira recôndita sumir nas entranhas dos esgotos, longe, longe de nossa vida e nosso olfato, para o bem da própria saúde e bom gosto.
Como é infinitamente diversa a experiência desses bilhões de seres humanos que nascem, vivem e morrem literalmente sufocados pela própria imundície, sem conseguir arrancá-la de suas vidas, pois, visível ou invisível, a sujeira fecal que expulsam volta para eles como uma maldição divina, na comida que comem, na água em que se lavam e até no ar que respiram, causando-lhes doenças e mantendo-os no limite da subsistência, sem chance de escapar dessa prisão na qual mal sobrevivem.
Um dos aspectos mais sombrios da questão é que, em grande parte por causa do nojo e da repulsa que os seres humanos sentimos por tudo o que tem a ver com a merda, os governos e organismos internacionais de promoção do desenvolvimento não costumam dar a ela a devida prioridade. Geralmente a subestimam, e dedicam recursos insignificantes a projetos de saneamento. A verdade é que viver em meio à sujeira é nefasto não apenas para o corpo mas também para o espírito, para a mais elementar auto-estima, para o ânimo que permite erguer a cabeça contra o infortúnio e manter viva a esperança, motor de todo progresso. “Nascemos entre fezes e urina”, escreveu Santo Agostinho. Um calafrio deveria subir por nossas costas como uma cobra de gelo ao pensarmos que um terço de nossos contemporâneos nunca acaba de sair da imundície em que veio a este vale de lágrimas.
(Fonte: Piauí, 5. Fevereiro de 2007)